segunda-feira, setembro 19, 2005

Para que servem os municípios?

Para que servem os municípios? A questão, de resposta aparentemente óbvia, ganha renovada complexidade, quando se aproxima mais um acto eleitoral para a escolha dos representantes locais. Vislumbram-se no horizonte as comemorações as comemorações do 30º aniversário das primeiras eleições autárquicas, realizadas em 1976, etapa importante na consolidação de uma democracia que se estendia a todas as esferas do poder político.
Este é, pois, o momento para que se lance um olhar reflexivo sobre o que representaram 30 anos de experiência autárquica no desenvolvimento regional e no envolvimento de cada comunidade na discussão e resolução dos seus problemas, a base para a afirmação de uma cidadania plena.
É justo sublinhar o papel de muitas câmaras municipais na construção de infra-estruturas - água canalizada, esgotos -, tanto mais que tal trabalho permitiu arrancar largas franjas do território nacional de um atraso provocado por perto de cinquenta anos de regime autoritário. É a implantação desses equipamentos que permite falar em higiene e salubridade públicas. Por outro lado, foram e são as autarquias responsáveis por uma política de apoio às colectividades e associações que, concorde-se ou não com os critérios e estratégias muitas vezes introduzidos, permitem a descentralização de eventos culturais. No entanto, abundam os casos de insuficiência das autarquias, situações que mancham os órgãos do poder local e os seus representantes. Tais casos não são provocados por carências de meios que, muitas vezes, foram malbaratados em nome de ideias e políticas de desenvolvimento erradas ou inexistentes, na caça ao voto ou, mais grave ainda, em proveito próprio dos decisores.
Os casos de autarcas apanhados nas malhas da justiça por suspeita de corrupção são frequentemente notícia. As investigações em torno de presidentes de Câmara como Avelino Ferreira Torres e Isaltino Morais contam-se entre os exemplos mais mediáticos. O edil de Marco de Canavezes, agora candidato à Câmara de Amarante, parece representar o lado mais sombrio de 30 anos de poder autárquico. No poder há 22 anos, Avelino Ferreira Torres deixa atrás de si uma herança que se traduz por elevados índices de população excluída do acesso à rede pública de águas e esgotos (76 e 82 por cento, respectivamente). Uma reportagem publicada na revista Pública de 12 de Junho de 2005 revela-nos um concelho vítima do betão e de uma politica de construção de equipamentos levada a cabo sem planeamento aparente, como se o único critério de decisão fosse o próximo acto eleitoral. Aliás, a política de obras municipais, aliada à pródiga distribuição de subsídios por instituições locais de vário cariz, assume-se como o método mais eficaz de sustentar clientelas, condição necessária à sobrevivência política de muitos presidentes de Câmara, que conquistam por essa via o título de dinossauros autárquicos.
No entanto, a montante de questões como a do aproveitamento do poder em benefício próprio, sobra um grande défice de planificação concelhia, défice esse que aumenta se pensarmos numa realidade intermunicipal, em que câmaras vizinhas vivem frequentemente de costas voltadas.
É de planeamento que falamos quando questionamos infra-estruturas como a zona industrial do Casal da Areia, o seu papel no desenvolvimento económico de um concelho como de Alcobaça, a pertinência do local escolhido face aos acessos existentes aquando da sua criação, em 1992 (lembre-se que a A8 ainda não existia), e as condições concedidas de forma a atrair novas industriais.
É da necessidade de um verdadeiro planeamento para o concelho que falamos quando questionamos qual o lugar das obras de requalificação urbana em curso em Alcobaça numa estratégia de desenvolvimento. Vem, a este propósito, recordar que uma das justificações apresentadas por Gonçalves Sapinho, aquando da apresentação do projecto de intervenção no centro histórico de Alcobaça, prendeu-se com a necessidade de não deixar de trazer para o concelho verbas do III Quadro Comunitário de Apoio que, de outra forma, escapariam. Parece mais que questionável a utilização de argumentos desta ordem para justificar a premência de um projecto que, pela sua grandiosidade, terá óbvias consequências no dia-a-dia dos munícipes, tanto mais que a utilização de verbas da União Europeia é feita a título de comparticipação, o que implica um grande esforço para as finanças camarárias.
Não pretendo deitar mais achas para a discussão acerca do mérito estético ou a funcionalidade da intervenção no Rossio, a conformidade da obra com um certo legado histórico. Não pretendo sequer questionar a necessidade de alterar a relação entre o Mosteiro e a praça que lhe é fronteira, realçando a monumentalidade daquele edifício, ou averiguar até que ponto o resultado final cumpre aquele objectivo. O que está em causa é, sublinho, a necessidade de se pensar estrategicamente a realidade concelho, e que a necessidade de valorizar turisticamente o território dos contos de Alcobaça englobe também zonas mais periféricas como o litoral norte do concelho.
Mas antes de pensar em valorizar e rentabilizar o património natural e construído, é necessário que a Câmara não esqueça as suas responsabilidades no que toca à preservação do que já existe, para que não se repitam erros como os que ameaçam as falésias de São Martinho do Porto e que obrigarão ao dispêndio de recursos públicos em mais projectos de requalificação.

José Augusto Pereira

5 comentários:

capeladodesterro disse...

Finalmente esta capela contou com uma oração para além das habituais do capelão residente! O meu amigo José Augusto submete ao nosso espírito considerações da maior relevância sobre o poder autárquico em Portugal. Esta é umas das questões mais fundamentais na discussão de Portugal neste momento. Há uma importância inegável nas autarquias, mas quando o país aperta o cinto, o Estado e principalmente os contribuintes, as autarquias actuam incólumes e descomplexadas perante este cenário. O seu enquadramento na estrutura administrativa do país precisa de uma profunda remodelação, mas isso é "apenas" a reforma que mais anseio e exijo para Portugal. Reforma Administrativa. De Norte a Sul e Este a Oeste.

Anónimo disse...

Essa reforma, apenas será conseguida com a renovação da classe política e uma grande mudança na mentalidade dos portugueses. Só assim lá iremos e não nos podemos esquecer que temos todos um papel fundamental nessa mudança. A culpa, não é só dos sucessivos governos mas também de todos nós.
Actualmente, apenas segue a carreira de político que não consegue destarcar-se em mais nada e quem não tem futuro noutras áreas. É tempo de mudar e de cativar quem relamente tem valor e provas dadas para assumir a liderança das causas públicas.

Anónimo disse...

Eu sou daqueles que acredita que só temos os políticos que merecemos.
Um dos factores de peso é a natural descredibilização da política pelos cidadãos. Quando se colam rótulos generalistas a todos os políticos é difícil que pessoas com valor, como diz o Mário, queiram abraçar uma carreira política porque não querem ser identificados dessa forma. Depois, para ter pessoas de valor é preciso pagar o que elas merecem. Citando um ex-ministro quando alguém dizia que era caro difícil e atrair quadros de valor para as autarquias: "É fácil, entre os 3,000€ e os 30,000€ encontram-se vários. Mas a qualidade é proporcional ao custo!"

Anónimo disse...

Achei muito interessante o seu artigo José Augusto sobre Planeamento Autárquico,
Mas na hora de tomar decisões é dificil ser-se racional, senão veja-se este exemplo. O Grupo Desportivo da Burinhosa pretende construir um Pavilhão Gimnodesportivo, está no inteiro direito do fazer, mas para o fazer precisa dos dinheiros públicos que aparecem sobre a forma de protocolos e de comparticipações.
Parece que terão conseguido junto da Administração Central, após muita persistência, o que é de louvar, uma verba para a construção pelo que agora deve apenas faltar a comparticipação do Município e obviamente do Grupo Associativo. O concurso para a obra foi entretanto lançado...
O Município acabou de gastar 800 ou 900 mil € para inaugurar um Pavilhão Gimnodesportivo na Martingança que tem cerca de 1500 habitantes; fica a 3 km da Burinhosa e a outros tantos de Pataias onde também já existe um Pavilhão.
Será que este novo Pavilhão na Burinhosa se justifica?
Será que existirão tantos atletas assim na Burinhosa, e já não digo arredores porque nos arredores já estão mais que servidos deste tipo de equipamento;
quantas crianças tem o parque escolar da Burinhosa para praticar desporto escolar neste possivel Pavilhão?
À 20 anos andava-se na febre da construção de "salões" para cada Associação, uns maiores outros menores, o Município sempre a entrar com dinheiro e hoje o que é que temos?:
Associação da Cabecinha - Benedita - já nem o café funciona;
CRP da Ribafria - o café ainda deve funcionar;
Casal Venho - aquele gigante .... ???
Vimeiro ?
Gaio ?... pelo menos tem um parque Infantil bonito ...
Chiqueda? Casal da Ortiga? e tantas outras Associações "DESPORTIVAS E CULTURAIS" que gastaram fortunas a fazer cada uma o seu "salão", para agora ou fecharem; ou alugarem o café; ou alugarem para casamentos e baptizados em algumas; ou então evoluirem da política do "salão" passarem para a o "pavilhão".
É preciso separar o trigo do joio e mérito a algumas, poucas, como por exemplo o Centro Cénico da Cela, a Associação Povoense, as várias Filarmónicas, ou o Hóquei Clube em Turquel.
Tem que se acabar com as "capelinhas". Por que é que o grupo da Burinhosa não pode jogar na Martingança ou em Pataias ??? Porquê ??
E os políticos sabem muito bem que isto não é correcto, mas têm medo, não são decisões nada populares mas aprovar estes projectos têm de admitir que não são decisões nada racionais. O país não é rico para se esbanjarem assim recursos.

Haja bom senso !

capeladodesterro disse...

Que lufada de ar fresco é o seu comentário Madalena! Acresecento ainda outras situações onde a racionalidade não impera, caso do apoio domiciliário, dos centros de dia para idosos que proliferam a dois/três quilómetros uns dos outros, sem que haja coordenação e dimensão. Um serviço mais centralizado seria uma economia de custos e certamente prestaria melhor trabalho. Como diz há muita emoção em jogo, do associativismo à assistência social,o que deixa pouco espaço para a razão.