quarta-feira, julho 06, 2005

A aura emocional do "Ambiente Histórico" de Alcobaça

Guião da minha conferência na abertura da exposição: "Em torno de um raro amor" - Colecção Inesiana de João Oliva Monteiro, patente na Biblioteca Municipal de Alcobaça, até 30 de Setembro.


Quando o João Monteiro me convidou para participar na concepção e montagem da exposição que inauguramos hoje e, principalmente quando me desafiou para pensar em algumas palavras que levassem à minha participação nesta conferência confesso que me causou alguma perplexidade aquilo que poderia vir aqui transmitir a uma plateia frequentadora de iniciativas semelhantes.
Como em quase tudo na vida pareceu-me interessante a hipótese de fazer uma ponte entre vários “mundos”: Presente e Passado, realidade nacional e estrangeiro, emoção e razão, interesse pessoal e o interesse colectivo desta pequena exposição.
Perguntei qual a importância de Pedro e Inês no “Ambiente Histórico” de Alcobaça?
Começarei por fornecer alguns dados de contexto sobre esse conceito relativamente recente: "Ambiente Histórico".

Ambiente Histórico é um conceito que se revelou em Inglaterra, no final do ano 2000, através de um documento intitulado Power of People, fruto do trabalho conjunto de entidades e profissionais que se uniram para lançar as bases de um programa ou uma de nova forma mais abrangente de encarar o Património Histórico.
Como indica a expressão Ambiente, este conceito tem particular incidência em qual deve ser o posicionamento do Património perante as pessooas. Não procura a preservação apenas do património material, por consequência tangível, mas também o imaterial, aquele que preenche um imaginário e acompanha gerações moldando a mensagem ao tempo e às pessoas.

"O Património são as pessoas" Simon Thurley, director do English Heritage

No Ambiente Histórico pode caber quase tudo, mas será aí que o mérito e o sucesso do programa se define, na capacidade de ver além do óbvio, do espaço edificado, na percepção dos sinais transmitidos pelo passado e na sua transformação em mais valias para o futuro.
Coisas tão diversas como materiais de construção e estilos podem definir e moldar regiões, localidades e comunidades de uma forma tão forte como as raízes étnicas, por exemplo.
Paisagens Históricas ou edíficios-ícon podem tornar-se focos de identidade de comunidades e de orgulho para um espectro mais vasto.
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Imaginem o impacto que poderá ter uma história como a de Pedro e Inês...
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Aquando do seu desenho original o conceito foi estruturado em termos nacionais e, principalmente, orientado para o património material. A abordagem que proponho hoje é local, à escala da cidade de Alcobaça e vai mais longe entrando nos domínios do património imaterial, que tanto furor tem feito em concelhos vizinhos.

Se “o Património são as pessoas” e o seu entendimento dos espaços e do tempo, talvez seja por isso que a história e o mito de Pedro e Inês se associa de forma tão perfeita nestes novos conceitos. Pedro e Inês é, antes de mais, uma história de pessoas, mais do que de direitos consuetudinários de natureza genealógica, procuraram ser pessoas na forma mais comum, mas também na mais difícil de o afirmar: através do amor.

Entramos então no Ambiente Histórico de Alcobaça…

Há em Alcobaça um "Ambiente Histórico" que favorece o romanesco, com pequenos lugares de um acentuado lirismo romântico, refúgios de amores, mais ou menos inesianos:
- Confluência dos rios
- Antigos passeios fluviais
- Orlas florestais da cidade
- Arquitectura residencial, onde pontificam os palacetes, edifícios urbanos do início do séc. XX e alguns espaços mais invulgares como serventias que fazem a transição do público para o privado com grande suavidade e uma emoção contida. Há um apelo ao secretismo dos amores, mas também à libertação de sentimentos escondidos.
È esta, a aura emocional a que me refiro no título e onde Pedro e Inês se destacam indubitavelmente. Acredito convictamente que a aura deste amor se sente em Alcobaça de uma forma que extravasa o deslumbramento artístico da sua última morada.

Numa metáfora antropomórfica sobre o Ambiente Histórico de Alcobaça:
O Mosteiro seria o cérebro
O Mosteiro conferiu a inteligência na programação do território, a definição da estratégia que desenvolveu o espaço no tempo. Também esta foi uma relação dramática e intensa.

Os rios seriam as artérias
Os rios transportaram a vida, através da sua corrente estável, e a renovação, através da instabilidade temporária das grandes cheias. Também esta foi uma relação dramática e intensa.

Pedro e Inês seriam o CORAÇÃO, não no sentido físico, mas no sentido comum, como fonte dos sentimentos.
Pedro e Inês transportam Alcobaça para uma dimensão não quantificável e dificilmente descritível. A história de Pedro e Inês, não fornece apenas valores nacionais de natureza histórico-política, mas a dimensão universal de uma história de amor.
Cultivamos um carácter de posse, mas no entanto essa posse é repartida com outros locais como podemos constatar no presente com as comemorações dos 650 anos da morte de Inês de Castro.
Atravessa essas geografias, da mesma forma que a atravessa disciplinas de conhecimento, não pertence a historiadores, escritores e poetas, a filósofos ou artistas plásticos.
Encerra em si uma súmula de contradições ou paradoxos, como prefiro designar, que, no meu ponto de vista, tornam o Ambiente Histórico de Alcobaça em algo único.
Costumo provocatoriamente afirmar que Alcobaça é um acaso histórico, não deveria ter existido, e talvez não tivesse mesmo existido se os cisterciences, para além dos conhecimentos e práticas que lhes garantiram a eternidade, fossem donos de capacidades premonitórias!
- Como pode um espaço urbano que cresceu anexo a uma ordem monástica, fortemente implantada no território, possuir esta carga emocional?
- Como pode o amor de Pedro e Inês pulsar intensamente, não apenas na escultura, mas, através da sua aura, no interior de um espaço religioso marcado pelo rigor, simplicidade e austeridade?
- E o carácter celebrativo que atribuímos ao amor de Pedro e Inês transformando-o em inspiração de espaços de convívio público (Café Portugal e restaurante D. Inês) e no leitmotiv da nossa comunicação para o exterior (Terra de Paixão)?
Em resumo:
Todos estes aparentes paradoxos revelam essa aura emocional do nosso Ambiente Histórico, que em conjugação com o património edificado e natural que herdámos geram um conjunto único, que requer uma visão total e uma acção programática que siga as melhores práticas de gestão destes domínios e que aqui apenas conceptualmente foram afloradas.
Alcobaça foi uma terra de fé e inteligência eclesiástica, que encontrou em Pedro e Inês a sua fonte de amor secular.

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